segunda-feira, 31 de março de 2025

Questões de Filosofia - Enem 2023

Enem 2023 - Questão 47 (caderno amarelo)

Não tinha outra filosofia. Nem eu. Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as cousas a fraseologia, a casca, a ornamentação.

ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.


A descrição crítica do personagem de Machado de Assis assemelha-se às características dos sofistas, contestados pelos filósofos gregos da Antiguidade, porque se mostra alinhada à


A) elaboração conceitual de entendimentos.

B) utilização persuasiva do discurso.

C) narração alegórica dos rapsodos.

D) investigação empírica da physis.

E) expressão pictográfica da pólis.



Enem 2023 - Questão 59 (caderno amarelo)

A economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens — transferência violenta das propriedades; de outro, à burguesia, então, se reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; e essa grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de bens — para o roubo — os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos — fraudes, evasões fiscais, operações comerciais irregulares — jurisdições especiais com transações, acomodações, multas atenuadas etc.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.


O texto apresenta uma relação de cálculo político-econômico que caracteriza o poder punitivo por meio da


A) gestão das ilicitudes pelo sistema judicial.

B) aplicação das sanções pelo modelo equânime.

C) supressão dos crimes pela penalização severa.

D) regulamentação dos privilégios pela justiça social.

E) repartição de vantagens pela hierarquização cultural.



Enem 2023 - Questão 67 (caderno amarelo)

Havia já muito tempo que a Europa desfrutava os benefícios da vacina e arrancava à morte milhares de inocentes, condenados a serem vítimas do terrível flagelo das bexigas, e o governo de Portugal nunca se lembrara de transmitir ao Brasil a mais útil das descobertas humanas, quando aliás nenhum país mais do que ele carecia deste salutar invento ou se atendesse às vantagens da população ou ao perdimento de imensas somas na mortandade contínua de escravos, que este flagelo devorava. O certo é que mais ocupado de seu ouro que de seus habitantes, Portugal, como em outros muitos casos, esperou que o Brasil por seu próprio impulso remediasse a este mal.

PEREIRA, J. C. 12 jan. 1828 apud LOPES, M. B.; POLITO, R. Para uma história da vacina no Brasil: um manuscrito inédito de Norberto e Macedo. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, n. 2, abr.-jun. 2007 (adaptado).


Escrito em 1828, o texto expressa a seguinte ideia de origem iluminista:


A) As leis observáveis regem o mundo material.

B) O monarca racional promove a sociedade justa.

C) O direito natural justifica a liberdade dos homens.

D) A produção da terra garante a riqueza das nações.

E) A responsabilidade dos governantes assegura a saúde dos povos.



Enem 2023 - Questão 69 (caderno amarelo)

TEXTO I


Gerineldo dorme porque já está conformado com o seu mundo. Porque já sabe tudo o que lhe pode acontecer após haver submetido todos os objetos que o rodeiam a um minucioso inventário de possibilidades. Seu apartamento, mais que um apartamento, é uma teoria de sorte e de azar. Melhor que ninguém, Gerineldo conhece o coeficiente da dilatação de suas janelas e mantém marcado no termômetro, com uma linha vermelha, o ponto em que se quebrarão os vidros, despedaçados em estilhaços de morte. Sabe que os arquitetos e os engenheiros já previram tudo, menos o que nunca já aconteceu.

MÁRQUEZ, G. G. O pessimista. In: Textos do Caribe. Rio de Janeiro: Record, 1981. 


TEXTO II


A situação é o sujeito inteiro (ele não é nada a não ser a sua situação) e é também a coisa inteira (nunca há mais nada senão as coisas). É o sujeito a elucidar as coisas pela sua própria superação, se assim quisermos; ou são as coisas a reenviar ao sujeito a imagem dele. É a total facticidade, a contingência absoluta do mundo, do meu nascimento, do meu lugar, do meu passado, dos meus redores — e é a minha liberdade sem limites que faz com que haja para mim uma facticidade. 

SARTRE, J.-P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997 (adaptado).


A postura determinista adotada pelo personagem Gerineldo contrasta com a ideia existencialista contida no pensamento filosófico de Sartre porque


A) evidencia a manifestação do inconsciente.

B) nega a possibilidade de transcendência.

C) contraria o conhecimento difuso.

D) sustenta a fugacidade da vida.

E) refuta a evolução biológica.



Enem 2023 - Questão 73 (caderno amarelo)

TEXTO I

Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no meu mover-me no mundo e, se careço de responsabilidade, não posso falar em ética.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


TEXTO II

Paulo Freire construiu uma pedagogia da esperança. Na sua concepção, a história não é algo pronto e acabado. As estruturas de opressão e as desigualdades, apesar de serem naturalizadas, são sócio e historicamente construídas. Daí a importância de os educandos tomarem consciência da sua realidade para, assim, transformá-la.

DEMARCHI, J. L. Paulo Freire. Disponível em: https://diplomatique.org.br. Acesso em: 6 out. 2021 (adaptado).


Com base no conceito de ética pedagógica presente nos textos, os educandos tornam-se responsáveis pela


A) participação sociopolítica.

B) definição estético-cultural.

C) competição econômica local.

D) manutenção do sistema escolar.

E) capacitação de mobilidade individual.



Enem 2023 - Questão 75 (caderno amarelo)

Eu poderia concluir que a raiva é um pensamento, que estar com raiva é pensar que alguém é detestável, e que esse pensamento, como todos os outros — assim como Descartes o mostrou —, não poderia residir em nenhum fragmento de matéria. A raiva seria, portanto, espírito. Porém, quando me volto para minha própria experiência da raiva, devo confessar que ela não estava fora do meu corpo, mas inexplicavelmente nele.

MERLEAU-PONTY, M. Quinta conversa: o homem visto de fora. São Paulo: Martins Fontes, 1948 (adaptado).


No que se refere ao problema do corpo, a filosofia cartesiana apresenta-se como contraponto ao entendimento expresso no texto por


A) apresentar uma visão dualista.

B) confirmar uma tese naturalista.

C) demonstrar uma premissa realista.

D) sustentar um argumento idealista.

E) defender uma posição intencionalista.



Enem 2023 - Questão 76 (caderno amarelo)

A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão que essa pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho.

ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.


No texto, o tempo livre é concebido como


A) consumo de produtos culturais elaborados no mesmo sistema produtivo do capitalismo.

B) forma de realizar as diversas potencialidades da natureza humana.

C) alternativa para equilibrar tensões psicológicas do dia a dia.

D) promoção da satisfação de necessidades artificiais.

E) mecanismo de organização do ócio e do prazer.



Enem 2023 - Questão 77 (caderno amarelo)


LAERTE. Disponível em: www.laerte.art.br. Acesso em: 23 nov. 2021 (adaptado)


A charge ilustra um anseio presente na sociedade contemporânea, que se caracteriza pela


A)  situação de revolta individual.

B) satisfação de desejos pessoais.

C) participação em ações decisórias.

D) permanência em passividade social.

E) conivência em interesses partidários.



Enem 2023 - Questão 78 (caderno amarelo)

Quem se mete pelo caminho do pedido de perdão deve estar pronto a escutar uma palavra de recusa. Entrar na atmosfera do perdão é aceitar medir-se com a possibilidade sempre aberta do imperdoável. Perdão pedido não é perdão a que se tem direito [devido]. É com o preço destas reservas que a grandeza do perdão se manifesta.

RICOEUR, P. O perdão pode curar. Disponível em: www.lusosofia.net. Acesso em: 14 out. 2019.


A reflexão sobre o perdão apresentada no texto encontra fundamento na(s)


A) rejeição particular amparada pelo desejo de poder.

B) decisão subjetiva determinada pela vontade divina.

C) liberdade mitigada pela predestinação do espírito.

D) escolhas humanas definidas pelo conhecimento empírico.

E) relações interpessoais mediadas pela autonomia dos indivíduos.



GABARITO:

47 - B
59 - A
67 - E
69 - B
73 - A
75 - A
76 - A
77 - C
78 - E

segunda-feira, 24 de março de 2025

Questões de Filosofia - Enem 2022

Enem 2022 - Questão 55 (caderno amarelo)

O leproso é visto dentro de uma prática da rejeição, do exílio-cerca; deixa-se que se perca lá dentro como numa massa que não tem muita importância diferenciar; os pestilentos são considerados num policiamento tático meticuloso onde as diferenciações individuais são os efeitos limitantes de um poder que se multiplica, se articula e se subdivide. O grande fechamento por um lado; o bom treinamento por outro. A lepra e sua divisão; a peste e seus recortes. Uma é marcada; a outra, analisada e repartida. O exílio do leproso e a prisão da peste não trazem consigo o mesmo sonho político.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.


Os modelos autoritários descritos no texto apontam para um sistema de controle que se baseia no(a):


A) Formação de sociedade disciplinar.

B) Flexibilização do regramento social.

C) Banimento da autoridade repressora.

D) Condenação da degradação humana.

E) Hierarquização da burocracia estatal.



Enem 2022 - Questão 59 (caderno amarelo)

Empédocles estabelece quatro elementos corporais — fogo, ar, água e terra —, que são eternos e que mudam aumentando e diminuindo mediante mistura e separação; mas os princípios propriamente ditos, pelos quais aqueles são movidos, são o Amor e o Ódio. Pois é preciso que os elementos permaneçam alternadamente em movimento, sendo ora misturados pelo Amor, ora separados pelo Ódio.

SIMPLÍCIO. Física, 25, 21. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1996.


O texto propõe uma reflexão sobre o entendimento de Empédocles acerca da arché, uma preocupação típica do pensamento pré-socrático, porque


A) exalta a investigação filosófica.

B) transcende ao mundo sensível.

C) evoca a discussão cosmogônica.

D) fundamenta as paixões humanas.

E) corresponde à explicação mitológica.



Enem 2022 - Questão 61 (caderno amarelo)

Entretanto, nosso amigo Basso tem o ânimo alegre. Isso resulta da filosofia: estar alegre diante da morte, forte e contente qualquer que seja o estado do corpo, sem desfalecer, ainda que desfaleça.

SÊNECA, L. Cartas morais. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1990.


O excerto refere-se a uma carta de Sêneca na qual se apresenta como um bem fundamental da filosofia promover a


A) valorização de disputas dialógicas.

B) rejeição das convenções sociais.

C) inspiração de natureza religiosa.

D) exaltação do sofrimento.

E) moderação das paixões.



Enem 2022 - Questão 69 (caderno amarelo)

Advento da Polis, nascimento da filosofia: entre as duas ordens de fenômenos, os vínculos são demasiado estreitos para que o pensamento racional não apareça, em suas origens, solidário das estruturas sociais e mentais próprias da cidade grega. Assim recolocada na história, a filosofia despoja-se desse caráter de revelação absoluta que às vezes lhe foi atribuído, saudando, na jovem ciência dos jônios, a razão intemporal que veio encarnar-se no Tempo. A escola de Mileto não viu nascer a Razão; ela construiu uma Razão, uma primeira forma de racionalidade. Essa razão grega não é a razão experimental da ciência contemporânea.

VERNANT, J. P. Origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2002.



Os vínculos entre os fenômenos indicados no trecho foram fortalecidos pelo surgimento de uma categoria de pensadores, a saber:


A) Os epicuristas, envolvidos com o ideal de vida feliz.

B) Os estoicos, dedicados à superação dos infortúnios.

C) Os sofistas, comprometidos com o ensino da retórica.

D) Os peripatéticos, empenhados na dinâmica do ensino.

E) Os poetas rapsodos, responsáveis pela narrativa do mito.



Enem 2022 - Questão 77 (caderno amarelo)

TEXTO I


Uma filosofia da percepção que queira reaprender a ver o mundo restituirá à pintura e às artes em geral seu lugar verdadeiro.

MERLEAU-PONTY, M. Conversas: 1948. São Paulo: Martins Fontes, 2004.


TEXTO II


Os grandes autores de cinema nos pareceram confrontáveis não apenas com pintores, arquitetos, músicos, mas também com pensadores. Eles pensam com imagens, em vez de conceitos.

DELEUZE, G. Cinema 1: a imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1983 (adaptado).


De que modo os textos sustentam a existência de um saber ancorado na sensibilidade?


A) Admitindo o belo como fenômeno transcendental.

B) Reafirmando a vivência estética como juízo de gosto.

C) Considerando o olhar como experiência de conhecimento.

D) Apontando as formas de expressão como auxiliares da razão.

E) Estabelecendo a inteligência como implicação das representações.



Enem 2022 - Questão 80 (caderno amarelo)

Sempre que a relevância do discurso entra em jogo, a questão torna-se política por definição, pois é o discurso que faz do homem um ser político. E tudo que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido. Haverá, talvez, verdades que ficam além da linguagem e que podem ser de grande relevância para o homem no singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um ser político. Mas homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos.

ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.


No trecho, a filósofa Hannah Arendt mostra a importância da linguagem no processo de


A) entendimento da cultura.

B) aumento da criatividade.

C) percepção da individualidade.

D) melhoria da técnica.

E) construção da sociabilidade.



GABARITO:

55 - A
59 - C
61 - E
69 - C
77 - C
80 - E