domingo, 22 de agosto de 2010

Mestre Eckhart e o garoto nu

O pensamento ascético-místico de Mestre Eckhart
    Mestre Eckhart nascido em 1260 é um dos maiores expoentes da mística alemã. Sua indagação filosófica se dá no âmbito da relação do homem com o divino, da criatura com o Criador.
    No entanto, devida a grande valorização dos potenciais naturais do homem, a relação do homem com o divino se encontra em decadência, desgastada, desvaziada de sentido devido a predominância do nominalismo – as palavras já não colhem mais as realidades das coisas – e dos impetuosos rompimentos da grande síntese medieval entre razão e fé.
    É dentro desse contexto conturbado que Mestre Eckhart desenvolve a sua mística, uma busca do estreitamento da relação homem e divino através do desprendimento, pano de fundo de toda a sua produção filosófica.
    O desprendimento em Mestre Eckhart, a priori, é um meio sincero para o homem unir-se mais estreitamente a Deus. Para ele, o desprendimento está para além das virtudes.

O desprendimento
    O neologismo Abgeschiedenheit, alemão médio-alto abegescheidenheit, é um termo forjado por Mestre Eckhart para o perfeito repousar-em-si. Ao examinar melhor essa presença a si mesma, o homem se remete a um reconhecimento de si, um verdadeiro deixar-ser-si-mesmo sem nenhum tipo de acréscimo.
    Portanto, esse neologismo criado por Mestre Eckhart, Abegescheidenheit, comumente traduzido para o francês como détachement, quer dizer desprendimento. Então, o que se deve ser lido também através desse termo “é a maior liberdade possível – não uma liberdade de sentimento, mas essencialmente de vazio, de ‘sem vínculo’ real com qualquer outra coisa senão o que é – sendo ‘o que é’ o todo-originário sem nenhum tipo de acréscimo.”
    A própria questão de Deus em Mestre Eckhart está fundada no desprendimento, ou seja, na proposta de um homem desprendido até mesmo de Deus.
    O que está em evidência na filosofia eckhartiana não é um manual de como efetuar o vazio em si mesmo e ganhar sabe lá que insensibilidade universal, mas, essencialmente, “um movimento de ‘irrupção’ e de ‘retorno’ pelo qual o ser vem ao encontro de si mesmo tal como era desde sempre em Deus, antes que as criaturas existissem.”
    Portanto, o que pretende a filosofia eckhartiana através do seu desprendimento é sempre e de cada vez um retorno ao próprio de si, a liberdade.
    O homem desprendido é aquele que permanece perfeitamente imóvel em si mesmo, sem se deixar puxar para fora de si por nenhuma solicitação, por mais nobre que esta possa ser.

O sem-modo dos modos de ser
    Mestre Eckhart em seu O Livro da Divina Consolação propõe um poema intitulado: Mestre Eckhart e o Garoto nu. Nesse poema Eckhart apresenta o modo de ser mais profundo da sua mística: o sem modo, e através desse sem modo, ele vai reafirmar o desprendimento de toda e qualquer veste, ou seja, modos de ser, como meio de permanência em si mesmo ou, porque não dizer também, como caminho de retorno a si através da desapropriação daquilo que é impróprio ao homem.

Vai dizer assim o poema:

Mestre Eckhart deu com um lindo garoto nu.
Perguntou-lhe donde vinha.
«Venho de Deus», disse ele.
«E onde o deixaste?»
«Nos corações virtuosos».
«Para onde vais?»
«Para Deus!»
«Onde o encontras?»
«Onde larguei todas as criaturas».
«Quem és tu?»
«Sou um rei!»
«Onde está o teu reino?»
«No meu coração».
«Toma cuidado que ninguém o compartilhe contigo!»
«É o que faço».
Então o conduziu à sua cela e disse: «Toma a veste que queiras!»
«Deixaria de ser um rei».
E desapareceu.
Fora o próprio Deus que viera divertir-se com ele.

Interpretação do poema de Mestre Eckhart
    Neste poema Mestre Eckhart vem nos mostrar o quão é perigoso assumir qualquer veste, por mais nobre que essa possa vir a ser, e o garoto nu, uma vez que está no sem modo e, estar no sem modo é garantia que permite a ele transitar por todos os outros modos, ele, ao ser convocado a escolher uma veste, ou seja, assumir um modo de ser, ele responde prontamente que se assumisse essa veste, ele deixaria de ser rei, ou seja, ele perderia a sua garantia de transitar por todos os modos, ele perderia a sua majestade.
    Então, é na permanência em si e no esforço para não se atrair por qualquer convocação que o leve a lançar-se para fora de si que o homem alcança o que lhe é o próprio e este, por sua vez, lhe transparece em toda e qualquer ação que ele venha a realizar.
    O que estamos querendo dizer é que o próprio do homem é a liberdade, uma vez que o homem ao assumir outro modo que não seja o sem modo que é a liberdade, ele não agirá livremente, mas condicionado pelo modo que ele assumiu.
    Por exemplo: suponhamos que um homem decida viver segundo o amor. Este homem então, em todos os seus atos, se deixará guiar pelo amor. Contudo, essa atitude, por sua vez, irá mascarar o que é próprio de sua existência, a liberdade que ele é. No entanto, não estamos aqui querendo dizer que todos aqueles que agem pelo amor são escravos. Porém, o que estamos querendo demonstrar é que aquele que se encontra desprendido do amor, no sem modo de ser, ele conseguirá transitar facilmente pelo amor, pois esta atitude não lhe virá pela imposição da apropriação que fizera pelo amor, pelo fato de ele ter que ser em tudo o amor, mas sim, suas atitudes lhe viriam pela liberdade devinda do mais profundo desprendimento.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Filmes filosóficos

    Dentro do mercado cinematográfico existe uma gama muito grande de filmes de cunho filosófico – filmes que trazem de forma marcante em seu roteiro questões filosóficas. Muitos autores de livros destinados ao ensino da filosofia já perceberam o quanto que esses filmes podem contribuir para a reflexão filosófica. Tanto que grande parte desses autores já trazem em seus livros sugestões de filmes que abordam questões filosóficas.
    Para o professor, a utilização desses filmes é um caminho para dinamizar a aula e um meio de exemplificar a temática abordada.
    A filósofa Marilena Chauí, em seu livro Convite a Filosofia, nos propõe, logo nos capítulos iniciais, uma análise dos fatores filosóficos contidos no filme Matrix. Além desse, muitos outros filmes trazem também essa possibilidade de abordagem filosófica.
   Elencaremos então alguns desses filmes, juntamente com uma sinopse do mesmo.

A Vida de David Gale


    David Gale é um brilhante professor universitário de filosofia e ativista contra a pena de morte. Após o assassinato de sua amiga e colega de trabalho, Constance, Gale é acusado pelo crime e condenado à pena de morte. Às vésperas de sua morte, David pede a presença da repórter Bitsey Bloom para que ele lhe conceda uma entrevista exclusiva, onde finalmente contaria toda a verdade sobre o caso.
    Quanto mais Bitsey ouve a história de David, mais ela fica estarrecida. Porém, faltam apenas quatro dias para a execução do prisioneiro, e talvez a jornalista não tenha tempo de fazer nada para inocentá-lo.

A Sociedade dos Poetas Mortos


    A Sociedade dos Poetas Mortos é um filme estadunidense de 1989, do gênero drama, dirigido por Peter Weir.
    Conta a história de um professor de poesia nada ortodoxo, de nome John Keating, em uma escola preparatória para jovens, a Academia Welton, na qual predominavam valores tradicionais e conservadores. Esses valores traduziam-se em quatro grandes pilares: tradição, honra, disciplina e excelência.
    Com o seu talento e sabedoria, Keating inspira os seus alunos a perseguir as suas paixões individuais e tornar as suas vidas extraordinárias.
    O filme mostra também que em certa altura da vida, as pessoas, em especial os jovens, deveriam opor-se, contestar, gritar e sobretudo ser "livres pensadores", e não deixar que ninguém condicione a sua maneira de pensar, mas também ensina esses mesmos jovens a usarem o bom-senso.
    Repleta de citações de grandes nomes da literatura de língua inglesa, como Henry David Thoreau, Walt Whitman e Byron, e de belas imagens metafóricas, Sociedade dos Poetas Mortos deixa uma profunda mensagem de vida sintetizada na expressão latina Carpe diem ("aproveite o dia"), cujo sentido é: aproveite, goze a vida, ela dura pouco, é muito breve. Uma das fontes originais do roteiro é certamente O Despertar da Primavera de Frank Wedekind, que enfoca jovens vivendo numa escola alemã no final do século XIX.
    No entanto, ainda que tentando seguir a máxima latina de Carpe Diem, uma tragédia acaba por se abater sobre todos eles. Metaforicamente, um dos personagens principais, Neil Perry, é constantemente impedido de fazer o que deseja da sua vida (representar numa peça de teatro ou escrever num jornal, por exemplo) devido aos projetos que o seu pai tem para ele.

O Show de Truman – O Show da Vida





















    O Show de Truman, O Show da Vida é um filme de drama dos Estados Unidos, dirigido por Peter Weir.
    Truman Burbank (Jim Carrey) é um homem comum da cidade de Seahaven, que vive com sua esposa Meryl (Laura Linney) numa casa no subúrbio, e ganha a vida vendendo seguros. Possui uma mãe ainda viva (seu pai havia morrido numa tempestade), amigos (com destaque para Marlon, interpretado por Noah Emmerich) e uma vida aparentemente normal.
    Truman entretanto não sabe que toda a sua vida se trata de um reality show criado e comandado por Christof (Ed Harris), produzido em um gigantesco estúdio que até pode ser visto do Espaço. Mas Truman começa a desconfiar de que existe algo estranho quando este dirige seu carro, e seu rádio sintoniza uma frequência que narra exatamente o que ele faz no momento; ou quando Truman vai entrar no elevador, mas observa um fundo de cenário com pessoas ao invés do elevador que deveria estar lá. Truman (que sempre quis viajar pelo mundo) começa a perceber que realmente existe algo errado quando tenta viajar de ônibus, mas este enguiça antes de sair do lugar, e quando Truman sai com seu carro e tenta viajar pelas estradas, mas se depara com um estranho vazamento da usina nuclear da cidade, que o obriga a voltar para casa à força. Em casa Truman quase agride Meryl, que grita "Façam alguma coisa!", e Truman não entende pra quem ela teria gritado. A partir daí as coisas começam a se esclarecer para ele.
    Paralelamente, do lado de fora do show, Sylvia (Natascha McElhone), que fora uma coadjuvante do show a anos e por quem Truman havia se apaixonado, luta para que ele descubra toda a verdade. Sylvia (que se chamava Lauren no programa) havia tentado contar a Truman toda a verdade sobre sua vida, mas foi retirada do show sem conseguir. E atualmente ela luta contra Christof pelo cancelamento do programa, para que Truman perceba todas as mentiras e verdades que rodeiam seu mundo.

O Mundo de Sofia




















   
    O Mundo de Sofia (Sofies verden em norueguês) é um romance escrito por Jostein Gaarder, publicado em 1991. O livro foi escrito originalmente em norueguês, mas já foi traduzido para mais de 50 línguas, teve sua primeira edição em português em 1995, que atualmente se encontra em sua 70ª reimpressão. Somente na Alemanha foram vendidos 3 milhões de cópias.
    O livro funciona tanto como romance, como um guia básico de filosofia. Também tem temas conservacionistas e a favor da ONU. Em 1999, foi adaptada para um filme norueguês; entretanto, não foi largamente publicado fora da Noruega. Esse filme também foi apresentado como uma minissérie na Austrália, se não em outros lugares. Recentemente, em 2008 essa versão cinematográfica do livro foi lançado no Brasil oficialmente em DVD.
    Às vésperas de seu aniversário de quinze anos, Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões postais bastante estranhos. Os bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o mundo em que vivemos. Os postais foram mandados do Líbano, por um major desconhecido, para uma tal de Hilde Knag, jovem que Sofia igualmente desconhece.
    O mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste fascinante romance, que vem conquistando milhões de leitores em todos os países em que foi lançado. De capítulo em capítulo, de "lição" em "lição", o leitor é convidado a trilhar toda a história da filosofia ocidental - dos pré-socráticos aos pós-modernos -, ao mesmo tempo em que se vê envolvido por um intrigante thriller que toma um rumo surpreendente.

Matrix





















    Matrix é uma produção cinematográfica norte-americana e australiana de 1999, dos gêneros ação e ficção científica, dirigido pelos irmãos Wachowski e protagonizado por Keanu Reeves e Laurence Fishburne.
    Matrix foi escrito como uma trilogia (Matrix, Matrix Reloaded, Matrix Revolutions), ambos os filmes viraram sucesso de bilheteria. Os fãs do estilo cyberpunk consideram a trilogia inteira uma obra prima. Matrix é uma obra de arte multimídia, a história inteira do universo Matrix está presente nos 3 filmes, em 9 desenhos animados, chamados Animatrix (o primeiro desenho conta uma história que se passa entre o primeiro e o segundo filme da trilogia), em histórias em quadrinhos (lançadas apenas nos Estados Unidos) e no jogo Enter the Matrix (que completa a história do filme Matrix Reloaded).
    Dentro da saga, Neo (o protagonista do filme) atinge o status de Escolhido, no sentido messiânico da palavra, ao ressuscitar e conseguir, dentro da própria Matrix, controlar o programa e derrotar os mecanismos antivírus, personalizados por agentes vestidos de terno e óculos escuros. Do ponto de vista do programa, os humanos livres e/ou pensantes são os vírus do planeta Terra.
    O filme é notório por suas inovações em efeitos especiais e na ação terem acabado por criar diversos clichês no cinema, como as imagens de projéteis se deslocando dentre ondas em câmera lenta. Mas seu verdadeiro valor é filosófico, ao explorar o tema da realidade confrontada à ilusão do cotidiano.
    O filme é repleto de mensagens sutis, dentre as quais a de que a máquina jamais controlará o homem, pois seu "comportamento" é baseado em programas e programas podem ser entendidos pela complexa mente humana que transcende a simples racionalidade da lógica ao constituir o ser integralmente. Por isso as mensagens do Oráculo, uma senhora que cozinha biscoitos, são aparentemente equivocadas e ilógicas, mas ao final condizem com a realidade.

Tirinhas do Calvin

    Demasiadas charges e tirinhas têm um caráter filosófico bastante acentuado, outras, simplesmente, nada têm. Dentre as tirinhas do Calvin – de Bill Watterson –, encontramos muitas dessas tirinhas filosóficas. Nesta postagem quero trazer duas delas.
    O que é legal de se ver nestas tirinhas é a transparência com que uma criança mostra aquilo que há de mais ontológico dentro de si mesma: a sua capacidade de buscar, de se admirar e principalmente de questionar a realidade.
    Na introdução da obra Mundo de Sofia, o autor Jostein Gaarder, diz que “a capacidade de nos surpreendermos é a única coisa que precisamos para nos tornarmos bons filósofos (...). E agora tens que te decidir, Sofia: és uma criança que ainda não se habituou ao mundo? Ou és uma filósofa que pode jurar que isso nunca lhe acontecerá?... Não quero que tu pertenças à categoria dos apáticos e dos indiferentes. Quero que vivas tua vida de forma consciente”.



O que é o cosmo?

    O significado do termo kosmos para os gregos desse período liga-se diretamente às ideias de ordem, harmonia e mesmo beleza (já que a beleza resulta da harmonia das formas: daí, aliás, o nosso termo “cosmético”). O cosmo é assim o mundo natural, bem como o espaço celeste, enquanto realidade ordenada de acordo com certos princípios racionais. A ideia básica de cosmo é, portanto, a de uma ordenação racional, uma ordem hierárquica, em que certos elementos são mais básicos, o que se constitui de forma determinada, tendo a causalidade como lei fundamental. O cosmo, entendido assim como ordem, opõe-se ao caos, que seria precisamente a falta de ordem, o estado da matéria anterior à sua organização. É importante notar que a ordem do cosmo é uma ordem racional, “razão” significando aí exatamente a existência de princípios e leis que regem, organizam essa realidade. É a racionalidade deste mundo que o torna compreensível, por sua vez, ao entendimento humano. É porque há na concepção grega o pressuposto de uma correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real – o cosmo – que este real pode ser compreendido, pode-se fazer ciência, isto é, pode-se tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmologia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral sobre a natureza e o funcionamento do universo.


Texto tirado do livro de iniciação à filosofia de Danilo Marcondes.